A gaveta da tralha
Outubro 10, 2018
Ricardo Correia
Em tempos remotos, atreveria-me mesmo a dizer que numa outra vida, ou se preferirem até à bem pouco tempo, toda a gente que ia às compras, vinha carregada de sacos de plástico. Então, era mais do que normal haver em qualquer casa portuguesa o saco dos sacos. Ao arrumar-se as compras, ficava ali aquele saco vazio só e desamparado, sem se saber muito bem o que fazer com ele. Até que acabava por ser também ele arrumado dentro de outro saco, junto com outros esquecidos e abandonados, meio amarrotado, aflito, a implorar por ar, meio claustrofóbico a dar um chega para lá nos outros, porque ele tinha que caber lá dentro de qualquer maneira. Mas inevitavelmente o seu fim, estaria mais tarde traçado ao ser usado como saco do lixo.
Felizmente esta coisa dos sacos de plástico grátis viu o seu fim. O que no fundo é de louvar esta atitude ambientalista, porque o planeta está a ficar contaminado com tanto plástico. O planeta agradece e os nossos filhos também. Embora todos saibamos que esta atitude não seja o suficiente, mas já é um bom começo. As toneladas de plástico dos produtos que compramos é de arrepiar. É que, infelizmente usamos plástico para tudo! Até para separar as fatias do presunto ou do queijo já fatiado, vem uma tira de plástico, para além de virem numa cuvete. Os packs dos pacotes de leite trazem plástico. Parece que tudo tem um invólucro de plástico e já não se sabe viver sem isso! Até os rolos de papel higiénico vêm envoltos em plástico! As bolachas vêm em plástico. O pacotão de plástico dos queques, vêem com doses individuais envoltas em plástico. É o plástico do plástico dos queques. Entre muitos outros infelizmente.
Agora dou por mim carregado de sacos, mas de papel. O destino normal destes ditos sacos seria a reciclagem. Acho que até foi por isso que foram inventados. Mas a realidade é que tenho pena de me desfazer deles, e sem dar conta acabo por os dobrar e enfiá-los numa gaveta da cozinha, ao qual apelido de gaveta da tralha. Certamente que todos vocês têm uma gaveta destas lá por casa. Onde guardamos tudo o que não é preciso para nada, mas que temos pena de deitar fora. A certa altura damos conta de que precisamos dessa gaveta, e está cheia de coisas que já deveriam estar no lixo à séculos. E os mistérios que lá descobrimos dentro são infindáveis. Do género, que raio é isto e como veio aqui parar? Isto já vinha na gaveta quando comprei a casa, de certeza que não fui eu que enfiei isso aí para dentro!
No outro dia os sacos eram tantos que a gaveta quase não abria. De modo que a Cláudia passou-se ao ver tantos sacos a fazer volume, e já quase a fazerem novelo, que decidiu tirá-los dali para fora. Lá está alguém inteligente que liberta espaço na gaveta da tralha, para mais tarde ser de novo preenchido esse espaço por inergumes. Mas, por algum motivo estranho, em que a morada final dos ditos sacos de papel seriam o ecoponto, acabaram por se ver enfiados também, no saco dos sacos, ou seja no saco de plástico! What a hell? Realmente o ser humano é estranho. Não custa nada a gente vêr-se livre do lixo, por amor da santa. Olhem o caixote é já ali. Não, tiramos dum sítio para arrumar noutro. E assim se acumula tralha, ao longo dos anos. É para dizermos à boca cheia de que temos muita coisa!