Sem mais nem menos
Fevereiro 14, 2018
Ricardo Correia
Pegou nas chaves de casa, bateu com a porta ligeiramente, e dirigiu-se às escadas. Poderia perfeitamente ter apanhado o elevador, mas não o fez. Apetecia-lhe andar, e respirar um pouco de ar puro. Desceu os dois lances de escada que davam acesso ao patamar da porta principal do prédio e saiu. Olhou para o céu, algo que já não se lembrava de fazer à algum tempo. As viagens de carro e a azáfama do dia a dia tiravam-lhe esse privilégio.
Aconchegou o sobretudo mais ao pescoço e sentiu os raios de sol a afagar-lhe o seu rosto. Apesar de tudo estava uma manhã fria de Outono. Embora o sol se esforça-se ao máximo para vencer o frio, ainda não era suficiente.
Morava a poucos metros do parque da cidade, e não se lembrava da última vez que lá tinha estado. Pensou, como era infeliz da sua parte, depois de ter deixado a faculdade, entregar-se ao trabalho, sem pensar em viver a vida.
Caminhou livremente sem qualquer tipo de preocupação em si. Gozava finalmente um dia merecido de folga. Era isso mesmo que ia fazer, descansar e relaxar.
À medida que caminhava sentia as folhas castanhas de Outono a estalar debaixo dos seus pés, como se pisasse migalhas ou pipocas.
Sorriu para si mesmo, ao ser invadido pelas suas memórias de infância. Quando saltava alegremente sobre os montinhos das folhas, só para as ouvir estalar.
Como a infância era maravilhosa sem compromissos, nem agendas, nem tarefas!
Seguia tão perdido nos seus pensamentos quando se apercebeu que estava quase no fim do parque. Dirigiu-se para o passeio até aos semáforos dos piões. Enquanto aguardava que o sinal mudasse para verde, observou uma pequena livraria do outro lado da estrada. Algo o incentivou a dirigir-se para lá. Ainda sem saber bem porquê. Talvez pela paz e sossego daquele local. Talvez porque fosse simplesmente aconchegante, sem o movimento e o barulho de um centro comercial. E assim o fez.
Empurrou a porta ligeiramente para trás e ouviu o som dumas pequenas campainhas a telintar. De trás do balcão uma senhora de certa idade, recebeu-o com um sorriso e uma saudação de bom dia, ao qual ele retribuiu gentilmente.
Calmamente, parou a observar a prateleira dos best-sellers. Como nada o chamou atenção seguiu até à parte central da loja onde estava uma estante com uns outros quantos livros. Uma capa de um livro mais apelativa lhe despertou a curiosidade. Dirigiu-se a ele a pegou-lhe cuidadosamente, e ali ficou apreciando a foto da capa do livro. Desfolhou as páginas um pouco e virou-o ao contrário para ver o resumo do enredo.
Estava tão concentrado na sua leitura, que nem se apercebeu da presença de mais ninguém, somente quando levantou os olhos do livro é que se apercebeu de uma jovem na sua frente, também ela segurando um livro nas mãos. Trocaram olhares e verificaram que ambos seguravam o mesmo livro nas mãos. Sorriram embaraçados com a estranha coincidência.
- Também a chamou a atenção? - disse sorridente com cortesia.
- Como! Desculpe não...
- O livro. Também lhe chamou a atenção a capa?
- Ah, sim. - respondeu com timidez - Com certeza...
- Hoje em dia as capas vendem mais que a própria história, não é?
- É verdade, penso que sim.
- Tudo uma questão de marketing para vender e vender - falava tranquilamente enquanto revirava o livro nas suas mãos de um lado para o outro. Reparou que a jovem ainda o observava um pouco tímida e desconfiada com o surgir da conversa. Poisou o livro novamente na estante e então decidiu quebrar um pouco o gelo. - O meu nome é Valente. - Estendeu-lhe a mão - Tomás Valente.
- Prazer! O meu é Joana. - retribuiu o cumprimento sorridente.
- Costuma vir aqui muitas vezes?
- Não. Estava só de passagem. E o você?
- Trate-me por tu, afinal de contas temos praticamente a mesma idade. - Lançou o isco. Mas não obteve nenhum desmentido do lado de lá. - O mesmo. Passeava a pé por aqui, e acho que me quis refugiar nesta pacata livraria. Longe da agitação das ruas.
- Entendo perfeitamente.
- Lembrei-me que saí de casa sem tomar o pequeno-almoço. Seria muito abuso da minha parte perguntar-lhe se me dá a honra da sua companhia? - Ela ficou um pouco surpresa e receosa, mas acabou por acenar afirmativamente com a cabeça.
Saíram da loja lado a lado como se fossem dois amigos de longa data e dirigiram-se para uma pastelaria nas proximidades. Falaram horas a fio, num espaço intemporal. Sem compromissos, só meramente se conhecendo um ao outro. Trocando ideias e a descobrirem um pouco mais de si mesmos. Valente sentiu-se cativado pelo seu olhar, uns olhos azuis cor de céu, a sua tez clara e uns cabelos longos loiros, faziam daquela desconhecida um misto de sedução e ternura. A verdade é que ele não conseguia desviar os olhos dela. A sua atenção estava refém das palavras que saiam dos seus lábios pequenos e atraentes.
Valente decorava todos os traços de Joana como se fosse pintar em seguida uma tela a óleo com o seu rosto belo.
Subitamente ela olhou para o relógio e exclamou algo agitada.
- Lamento mas tenho de ir! Está na minha hora. - E levantou-se da cadeira e despediu-se enquanto ele ainda incrédulo por aquele momento ir terminar assim - Foi um prazer.
- Igualmente - Respondeu sem saber muito bem o que sentir.
Ela acenou-me com a cabeça e encaminhou-se para a saída da pastelaria a passos largos. Não sei bem como nem porquê, perguntou-lhe com receio.
- Voltaremos a ver-nos?
Ela virou-se delicadamente e respondeu com um sorriso e um brilho nos olhos.
- Se o destino assim o entender... - E saiu da pastelaria deixando Valente entregue a si mesmo.
Ficou preso àquela silhueta, meio sofrido, vendo-a dirigir-se à porta da pastelaria, ajeitar o casaco e a colocar o cachecol ao pescoço. E continuou a observar até vê-la desaparecer ao virar da rua.
Sentou-se na cadeira a reviver aquele momento inesperado do dia de folga.
Desconfiava, que tudo não tinha passado de uma partida do destino, e acreditou que às vezes, quebrar a rotina, iria valer a pena .