Em estilo passeio sem destino aparente
Dezembro 02, 2017
Ricardo Correia
A música entoava a meio tom pelo meio da conversa dos adultos, sentados no banco da frente do automóvel, ao mesmo tempo que conduzia o meu bólide descontraído pela estrada fora. As duas miúdas sentadas no banco de trás, uma a apreciar a paisagem de olhos fechados dormitando com a cabeça reclinada na cadeirinha, enquanto a outra a mais velha, suspirava pelo aborrecimento próprio da idade, de quem já começa achar que passear com o pai e com a mãe se está a tornar uma seca. Era bem melhor estar aturar o canal Disney ou a picotar o tablete com os joguitos impingidos pelo 'googleplay'.
A conversa dos adultos foi entretanto interrompida pela Ema em sinal de alerta, em tom de quem estava aprestar atenção ao caminho mais do que eu. Estaria ela certa! Hum...
- Pai! Acho que já passamos por este Bombeiro paí umas quatro vezes.
- A sério Ema?! Não pode ser - retorqui eu.
- É verdade. Olha é sempre a mesma rotunda com a mesma estátua do bombeiro!
- Não é nada! Olha este bombeiro está apontar para ali e outro à bocado estava virado para o outro lado. - Tentei disfarçar eu, confiante da minha resposta.
- Claro, à bocado vínhamos de cima, e agora vamos para cima, por isso é que é o mesmo bombeiro, pai! Só que virado ao contrário - Disse a Ema sábia da sua resposta.
Já lá vai o tempo em que conseguia dar a volta à questão sem ser apanhado. A minha copiloto também andava com o radar em baixo, e sem sinal, porque todas as vezes que dizia, "é por ali." Acabávamos numa estrada sem saída ou a entrar numa mata com estrada de terra batida. Enquanto isto a Ema ria-se do pai tonto.
Eu não querendo admitir que andávamos em círculos perdidos e mais uma vez, quem precisa de GPS's. Afinal de contas andávamos a passear sem destino certo, somente a ver a paisagem. Ainda disse à Ema que logo por azar era feriado e não havia ali nenhum carro que soubesse o caminho para eu seguir atrás dele.
Antigamente desdobrávamos os mapas em papel com todas as estradas do país, que tinham que começar a ser abertos no banco de trás para se conseguir ver onde estávamos, e acabávamos sempre a ver o mapa de pernas para o ar. Mas quem ligava a isso? Queríamos mesmo era ir por essas estradas fora somente pela aventura.
De volta a casa tive uma discussão valente com a Ema e com a mãe. Vimos um carro, daqueles quadriciclos (papa-reformas), com a matricula 88. E eu disse com firmeza.
Eu - Olha ali aquela matricula! Tem os oitos de cabeça para baixo.
Ema - Não tem nada! Estão bem.
Cláudia - Olha passou-se andas a ver mesmo mal.
Eu - A sério, vocês não vêm! Os oitos estão de cabeça para baixo.
Ema - Ó pai! Estão bem é mesmo assim.
Seguimos atrás do carro para aí uns cinco quilómetros ou mais, sempre na mesma discussão. A Cláudia só se ria da minha parvoíce. - Vais dizer que é por a bolinha gorda estar em cima e a pequena em baixo?
Eu - Ah! Afinal sempre vês os oitos de cabeça para baixo?!
Ema - Ó pai chega-te mais perto para eu ver melhor. - Assim fiz. Cheguei-me mais um bocadinho para perto do carro da frente.
Cláudia - Qual é o problemas das bolinhas serem diferentes? Quem te disse que a cabeça tem de estar sempre em cima?
Eu - Então fica mal. É como ter a cabeça debaixo do cú! Não faz sentido. Os oitos estão de cabeça para baixo e mais nada.
A certa altura da discussão já a Ema concordava comigo. Isto é que é poder de persuasão! De facto os oitos da matricula do papa-reformas estavam de cabeça para baixo.
Mas na verdade tudo não passa de ilusão de ótica. À medida que o carro da frente se move dá a sensação de que a bolinha debaixo do número oito fica mais pequena em relação à bolinha de cima.
No final de contas rimo-nos que nem uns perdidos à vinda para casa e a viagem parece que se fez mais depressa. Isso é que interessa.