O nosso rapagão ontem, 21 de Novembro, fez 15 anos. É mesmo caso para dizer que o tempo voa. Ainda ontem eu e a Cláudia éramos duas crianças a educar uma criança, e hoje vemos um flashback de como o tempo passa.
O Xavier é um miúdo que apesar de tímido e reservado, é um lutador. O rapaz soube agarrar-se à vida com unhas e dentes e hoje aqui está. Deixem-me contar-vos como o Xavier se fez uma criança especial.
No dia 21 de Novembro de 2002, para nós era um dia perfeitamente normal e, como tal arranjei-me para ir trabalhar, a Cláudia já estava em casa com um barrigão enorme, embora a previsão do parto fosse para daí a duas semanas. Naquela altura ela ficou a tomar o pequeno almoço na companhia do nosso Mozart, um serra da estrela enorme, e super meigo, que ainda hoje recordamos com carinho, apesar dele já ter falecido com um tumor no estômago. É que o desgraçado roía tudo, mas literalmente tudo!
Então a certa altura a Cláudia sentiu às aguas a rebentar. Estava mesmo o caldo entornado, ela recorda que o Mozart ao sentir a aflição dela não a largou por um segundo e encostava a cabeça à barriga dela. Como naquela altura os telemóveis não eram assim tão importantes esqueci-me de ligar o meu. Então não restou outra solução à Cláudia, senão ligar aos pais que a foram buscar de imediato e levá-la à maternidade. Só depois é que o meu sogro veio ter comigo ao trabalho para me dar a noticia. Por incrível que pareça não consegui sair logo do trabalho, quase que tive que me ajoelhar e pedir por amor de Deus para me deixarem sair, não sei se estão a ver a insensibilidade, era para aí meio-dia e meia quando finalmente consegui ir para a maternidade.
O parto não correu tão pacífico como o esperado e entre ventosa e ferros o miúdo lá decidiu sair. Mas estávamos a ver que tanto ele como a Cláudia não iam resistir. Ele foi levado logo para dentro e só apareceu uma hora mais tarde. Nunca nos explicaram porquê. Só me deixaram trazê-los para casa ao fim de quase duas semanas. Diziam que estava amarelo! Saídos da maternidade com a promessa de que iríamos a um pediatra logo que possível, deixaram-nos ir para casa.
Assim que fomos à pediatra, ela enviou o Xavier diretamente para o hospital pediátrico de Coimbra, porque tinha detetado alguns problemas. Para resumir começou com um sopro no coração, consultas de cardiologia, depois hipospádia e mais tarde laringomalácia e ainda baixa imunidade. Ainda não satisfeita pediu consultas de genética. O sangue dele andou a passear num frasquinho para um laboratório do Porto e depois para França, Porto novamente e por fim, de regresso à base, Coimbra, onde viemos a descobrir que o Xavier tem síndrome de Óptiz.
Mas não pensem que é tudo, com um ano e meio o rapaz apanha meningite meningocócica e ficou vários meses no hospital. Naquele dia fomos com ele três vezes às urgências, os médicos diziam que era uma constipação, mas com 40º de febre sem ceder, e o miúdo não apresentava reação nenhuma, parecia um boneco sem forças, não nos pareceu normal e insistimos. À terceira foi de vez e na mudança de turno dos médicos, uma médica nova disse que assumia a responsabilidade de lhe tirar o liquido para despistar a meningite, e foi a sua salvação.
O Xavier ficou conhecido naquele hospital por toda a gente, vários médicos vieram vê-lo, inclusive estagiários aos grupos, todos queriam
conhecer o menino com síndrome de Óptiz raro e meningite. Mas o Xavier lutou e agarrou-se à vida e hoje aqui está. Desse episódio resultou o corte do canal do ouvido direito, por isso ele hoje usa aparelho auditivo.
Mas a coisa não fica por aqui, com dois anos e meio foi submetido a cirurgia plástica para resolver a hipospádia.
Em consultas de ergologia, por causa da baixa imunidade, descobriu-se que o rapaz era alérgico... a ácaros. Sim, de tanta coisa para ser alérgico, foi logo ser de ácaros, que não existem em lado nenhum! Toca a despir a cas de tapetes e carpetes.
Entretanto ele fazia constantemente episódios de falta de ar muitas vezes assemelhado a asma, mas no caso dele devido à laringomalácia, e tanto tinha dificuldade em mandar o ar para fora como deixar entrar o ar, por isso ora levava máscaras de oxigénio ora de adrenalina. O pior é que cada vez que ia ao hospital fazer as máscaras já não saía de lá porque fazia febres de 39º a 40º, e portanto enquanto a febre não baixasse ele tinha estadia garantida.
A pediatra então disse-nos para tentarmos experimentar, caso lhe desse novamente falta de ar, dar uma volta de carro com o vidro aberto para ele apanhar ar puro ou ir dar uma volta a pé pelo parque deixando-o expirar e inspirar com calma. E não é que resultou mesmo! A partir desse dia acabou-se as máscaras e a febre. Bastava o rapaz andar de carro ou ir a pé ao parque, e voilá. Agora é ele próprio que já se controla e vai para a janela ou dar uma volta a pé e fica bem passado uns minutos, aprendeu a conhecer-se e a viver consigo mesmo. É caso para dizer, e esta hein? Claro que ainda tem em casa as bombas SOS, mas felizmente é muito raro precisar delas.
Aos três anos levámo-lo ao psicólogo e ao neuro-pediatra para despistar o défice de atenção o que acusou positivo,depois de um alerta da professora dele do 3º Ano, e já no ciclo a psicóloga da escola também fez um novo relatório onde acusa disléxica, mas mesmo assim o Xavier decidiu segui humanidades, é preciso coragem.
Por isto tudo o que ele passou é que digo que o Xavier é um lutador e que apesar das diferenças sobe agigantar-se e mostrar-se igual a todos os outros. Parabéns Xavier.
*A laringomalácia é o colapso de parte das vias respiratórias que ocorre durante a inspiração (entrada de ar nos pulmões). É a anomalia congénita mais comum da laringe e a sua causa não está bem estabelecida.
*Hipospádia é uma malformação congênita do meato urinário, caracterizada pela abertura da uretra em localização anormal.
Embora sua etiologia ainda não tenha sido elucidada, existem hipóteses que dizem que essa malformação ocorra por uma conjunção multifatorial, no qual se encontra a influência genética.
*A síndrome de Opitz trata-se de uma rara desordem genética que atinge diversas estruturas ao longo da linha média do corpo. As características mais marcantes desta condição são o hipertelorismo, defeito de laringe, traqueia, esôfago e/ou problemas respiratórios que levam à disfagia, e nos indivíduos do sexo masculino, hipospádia.