A Escola de Hoje - Diferentes Igualdades
Outubro 17, 2017
Ricardo Correia
O Xavier desde pequeno que revelava dificuldades na aprendizagem. Foi mais notório e complicado no 3º ano. Era um miúdo irrequieto que não conseguia estar muito tempo sentado, tinha bichos carpinteiros, e até mesmo a realizar tarefas escolares por vezes levantava-se sem dar conta. Tudo o distraia e o chamava atenção. Brincava com o lápis, com a borracha, perdia-se nos seus pensamentos, mas estar na sala de aula de cabeça e corpo era difícil.
Em casa a mãe passava um martírio com ele para fazer os trabalhos de casa. Só queria ir brincar e ao fim do primeiro exercício já dizia que estava cansado. Levantava-se para ir beber água, ou dava-lhe a fome, ou tinha formigas nas pernas. Tudo menos estar concentrado a realizar os trabalhos de casa.
A professora dele do 3º ano, foi o que considero ser uma heroína, impecável. Aceitou as diferenças do Xavier em relação aos outros e não o criticava por estar de pé a fazer o que lhe era pedido. O Xavier ficava frustrado e desmotivado por não conseguir fazer os exercícios tanto de matemática como de português. Era mais lento em relação aos outros.
Ela reparou que assim, deixando-o levantar-se dava menos erros escrever, e que era mais concentrado dessa forma. Chegou inclusive a estar com ele nos intervalos para ajuda-lo a superar o disgrafismo, a leitura e os erros nos ditados. Apesar de estar de pé o Xavier não perturbava as aulas, por norma era uma criança dócil mas quando estava frustrado, revoltava-se e irritava-se.
A professora aconselhou-nos então a levar o Xavier a um psicólogo porque suspeitava que ele tinha défice de atenção. Feito o relatório verificou-se que de facto era verdade, e que ainda tinha disgrafia e dislexia.
Levado a um neuro pediatra este receitou-lhe a 'Ritalina', um medicamento estimulante que o ajuda a estar concentrado e a ter melhor raciocínio. O Xavier consegui superar as suas dificuldades, porque conseguia manter a atenção na sala de aulas. Ganhou maior confiança e auto-estima. Sente-se capaz e não inferiorizado em relação aos outros. Claro que a 'Ritalina' não é um mar de rosas, a nível da sua personalidade deixo-o mais na terra. Não é tão espontâneo, nem tão extrovertido. Fica mais calmo e apático.
Até ao dia de hoje durante o período de aulas o Xavier a toma. Fazendo o descanso aos fins-de-semana e férias.
Muita gente crítica o facto de as crianças tomarem 'Ritalina', o que é certo é que não me arrependo nada de lha dar. Porquê? Porque a escola de hoje em dia não está preparada para aceitar este tipo de crianças. O diretor de turma dele deste ano diz que ele é "paradito - o que é uma pena!", e ele próprio concorda connosco sobre o facto de a culpa não ser das criança tomarem 'Ritalina'. É o sistema escolar que não está de acordo com estes miúdos.
O sistema de ensino tornou-se um despejar de matéria, e as professoras que antigamente seguiam no comboio regional e tinham a preocupação de todos os meninos ficarem a aprender, parando em todas as estações e apeadeiros, hoje sentem-se obrigadas a andar no TGV, de modo a conseguir cumprir o extenso programa designado, e quem o apanhar ótimo, quem o perdeu azar! E isso nota-sa na preocupação de preparar os alunos para os exames ao invés de eles ficarem a saber a matéria. Depois claro isto é um gerar de receitas para os explicadores ou para os centros de estudo. Cada vez me convenço mais que este país anda a reboque da economia do que propriamente do respeito, e da preocupação pelos seus cidadãos. Isto entristece-me.
Agora com a Ema, também no 3º ano estamos a atravessar as mesmas preocupações. A diferença é que a Ema não demonstra os seus sentimentos, preferindo isolar-se. Na sala de aula fica imóvel, calada, tem medo de falar em voz alta para a turma e sente-se frustrada por não conseguir realizar os exercícios de matemática. É tão insegura consigo mesma que não passa nada para o papel sem saber que realmente está certa a resposta. A professora diz que ela é lenta e ameaça que a vai chumbar. Não entende que a lentidão vem da insegurança.
Em casa para fazer os trabalhos de casa ou eu ou a mãe têm de estar ao lado dela, senão ela vem ter connosco a dizer ajudam-me? Ou então pergunta primeiro é assim? Só depois é que volta para a secretária para escrever o que disse.
Dissidimos fazer-lhe um rastreio. Na primeira análise verificou-se mais a discalculia. Ainda se está a fazer o despiste para a dislexia e para o défice de atenção. Ainda só vamos para a terceira sessão.
Infelizmente a Ema não teve a mesma sorte que o Xavier. Esta professora prefere expor as dificuldades da Ema perante a turma e frequentemente a chama ao quadro ou para ler em voz alta, deixando-a desmotivada e com uma ânsia enorme que a consome. Ela como é uma criança tímida já se sente com medo de ir para a escola. Chora frequentemente diz que não gosta.
Ao invés de se tentar cativar as crianças para aprendizagem, ou tentar uma nova abordagem junto da criança incentivando-a, para as conquistas positivas por mais pequenas que sejam, desmotiva-se o aluno sem dó nem piedade. Avisámos a professora das dificuldades da Ema e a maneira dela ser para que não fosse muito brusca com ela, mas fez ouvidos moucos.
Uma mãe no inicio de aulas disse à professora. "O meu filho tem hiperatividade." A primeira coisa que a professora fez foi perguntar a essa mãe "- Está medicado? Ótimo". Logo aqui se vê a preocupação desta professora perante os alunos.
Então o que está mal?
- Os alunos que tomam 'Ritalina' ou 'Concerta'?
- Os professores que já não têm paciência para esses alunos?
- Os professores perderam a motivação para ensinar?
- Os professores não têm formação para lidar com alunos com défice de atenção ou hiperatividade?
- A sociedade assim como a escola, andam num ritmo demasiado acelerado para as nossas vidas?
- Medicação ou terapias?
Quem sofre? A criança e os pais que por mais que queiram não conseguem ajudar!
Vamos esperar pelo relatório final para ver o que a psicólogo aconselha. Mas só de ver a minha filha frustrada e desmotivada, preferia dar-lhe 'Ritalina' e vê-la ganhar uma nova auto-estima e confiança, tal como aconteceu com o irmão.